31.10.08

O nome da(s) coisa(s)

Se a gente se atentar, ainda que pouco, a respeito do tamanho dos termos dos quais nos utilizamos para nomear as coisas, vai perceber que um padrão será encontrado. E o padrão é o seguinte: as coisas mais importantes para um ser humano são nomeadas por termos curtos, pequenos, simples. Exemplos: pai, mãe, vó, sol, água, pão, mão, pé. Palavras fáceis de se dizer e essenciais à vida.

Quando as coisas começam a se distanciar desta essencialidade tornando-se, por assim dizer, um tanto quanto supérfluas, os nomes começam a crescer e se complicar. Talvez isso explique o fato de eu jamais ter ido a um otorrinolaringologista.

Mas, enfim: a questão que me levou a escrever este post e a começar por esta digressão torta diz respeito ao tamanho e à estranheza do nome deste blog.

Deciopivanianas seria, segundo o padrão explicado aí em cima, um termo para designar uma existência das mais desimportantes. Ainda que isto possa ser verdade, me nego a acreditar que as coisas se passem desta maneira.

Em conversa com uma amiga na semana passada, que reclamava que não nunca se lembrava do nome do blog porque é complicado, estranho, encontrei a saída para reverter a situação. Depois de explicar de onde tinha saído o nome, ela me disse: Ah, agora ficou mais fácil.

Pois então, vamos facilitar as coisas pra todo mundo.

O termo usado para designar este blog foi criado a partir da junção do nome de dois de meus poetas favoritos.

1 - O primeiro deles, Décio Pignatari:



Que tira da cachola coisas assim:




2 - Já o segundo é Roberto Piva:



Que:




Notem uma coisa: Décio, Piva. Nomes pequenos que marcam em folhas coisas absurdas como estas que eu mostrei. Juntando os dois e formando um palavrão, sai este blog que dá pra quebrar o galho.

Agora melhorou?

25.10.08

A rasidão

A rasidão não é algo que aparece de surpresa. Assim como um balde furado se esvazia, uma piscina se esvazia, uma latrina se esvazia, você também é capaz de esvaziar-se. E mais: assim como os objetos citados, você não tem a mínima consciência de estar a perder algo. A sua, ou a nossa diferença para com os baldes e as piscinas e as latrinas se dá apenas quando a coisa já se perdeu, esvaiu-se, morteceu.

Quando este ponto é chegado, a renitência das coisas diárias força o surgimento de uma consciência que é trazida de fora. O que se exige não encontra onde nadar, se angustia e se bate, bate em você, que sufoca e só então repara.

Só poder reproduzir automatismos é um dos primeiros sinaisintomas da rasidão. Ele não dói, não pode ser percebido comportamentalmente e, portanto, não exige remédios ou terapias.

Já o segundo sinalsintoma da rasidão machuca bastante, muito. É quando ela se torna reflexiva, ou seja, você reconhece com todos os pregos, arames farpados, agulhas, alfinetes e lanças que são inerentes ao reconhecer, que perdeu a manivela do ímpeto.

E o que sou eu sem alavanca? Boçal, é mais do que provável.

Um rato.

Uma semilatrina, um semibalde, uma semipiscina.

A rasidão impede, dentre todas as outras isquemias, que se articule o suficiente sobre ela.

24.10.08

My sweet Lord, with every mistake we must surely be learning: um post de e para beatlemaníaco

Achei um negócio lindo, maravilhoso, de chorar, no Youtube: é o show feito em homenagem ao George Harrison, logo depois que ele morreu.

Fora as coisas muito legais em termos sonoros: trinta e oito guitarras, três baterias tocando ao mesmo tempo e tudo o mais que pode ser visto aí embaixo, há algo por demais interessante no quesito regra três: a entrada de Billy Preston nos teclados e de Eric Clapton na guitarra principal.

Para quem não é beatlemaníaco, uma explicação: tanto Billy Preston quanto Eric Clapton foram os únicos sujeitos convidados a participar de gravações com o fab-four. Clapton, no Álbum Branco (o meu preferido), foi responsável pela guitarra em While my guitar gently weeps. Já Billy Preston fez uma boa quantidade de faixas em Let it be.

Como Eric pode ser considerado o quinto beatle e Billy o sexto, pode-se dizer, com as óbvias ressalvas, que o time, nos vídeos aí embaixo, chega a estar quase completo. Pena que Billy Preston tenha morrido no ano passado, deixando uma baita lacuna.

De qualquer maneira, preparem os lenços. O vocal de Preston está imbatível em My sweet Lord. A guitarra de Clapton... bem, acho que não preciso dizer algo que seja. Ringo, como sempre, uma figura. Já Paul mantém o seu eterno modo talentoso de ser.

Beatlemaníacos, uni-vos! E os que não são, venham também. Vale a pena: eu agarântio!!!

P.S - Ah: o sujeito que está ali no palco, com um violão quase maior do que ele, não é nenhuma aparição. É o George filho, Dhani.

17.10.08

Há dez anos. Parabéns João!

- Mas por que você quer depilar as pernas justo hoje? Tá frio, chovendo, não vamos sair de casa...
- Eu quero, ué. Será que você pode me ajudar? É óbvio que não consigo com este barrigão.
- Tudo bem, tudo bem. Vai entrando no banho.


- Você acha que está ficando bom?
- Eu sei lá. Não consigo enxergar também. Ao menos não tá doendo... ou seja, você não está me cortando.
- Pois é. Agora vira, vou fazer a parte de trás. Meus joelhos estão me matando. Que situação, viu...
- Parece velho...
- Flávia!?!?
- Oi.
- Tem um negócio pendurado entre as suas pernas.
- O que? Como assim?
- Sei lá. Parece uma clara de ovo gigantesca.
- Pára de brincar.
- É sério.
- Será que vai nascer?
- Pois é... eu acho que sim.
- Ai caramba, me ajuda!
- Você está sentindo alguma coisa?
- Não.
- Vou me trocar. Güenta aí.
- Hã? E essa coisa? Precisa limpar.
- Pois, é: precisar, precisa. Mas eu é que não ponho a mão nisso. Não sei se vai doer. Nunca ouvi falar disso antes. É seu, faz parte de você (rindo) você dá um jeito nisso.


- Estamos sem carro. Vou encontrar um vizinho. Bete: o João tá nascendo e estamos sem carro - daria pra vocês levarem a gente pro hospital? Flávia, a Bete e o Chico vêm vindo.
- Tá. Mas não tá doendo. Só estou nervosa.
- Fica calma. Já peguei as coisas. Vamos lá.
- Nossa, Chico: numa van?
- Pois é, tem que ser confortável.
- Já tá todo mundo na van? Vambora...


- Meu Deus, o Chico quase entrou com a van no hospital!
- Assim fica mais fácil, ela anda menos.
- Chico, você é louco.


- E então?
- Olha, aquilo era somente uma espécie de tampão. É algo gelatinoso que fica na base da placenta.
- E?
- Não significa que vai nascer agora. Monitoramos e está tudo normal. Podem ficar tranqüilos.
- Vamos pra casa? Você está se sentindo bem?
- Sim. Vamos.


- Caramba Flávia, mas que pratinho de estrogonofe, hein? Você vai conseguir se deitar depois disso tudo?
- Tô morrendo de fome. Tá uma delícia. E olha só o seu prato, tá maior que o meu!


- Já escovei os dentes: vamos nos deitar?
- Vamos.
- Está confortável? Posso apagar a luz?
- Pode.
- Boa noite. Até amanhã...
- Que barulho foi esse?
- Você também ouviu?
- Sim: parecia uma bexiga estourando... fez puf...
- Foi. Um baita estouro. Foi dentro da minha barriga.
- Hã?
- Tô sentindo alguma coisa vazando...
- Foi a bolsa.
- Foi a bolsa.
- Tá doendo muito.
- Calma, são as contrações. Eu coloco a roupa em você. Este vestido é mais fácil, né?
- Não vou sair daqui, tá doendo muito!
- Flávia, como é que você não vai sair daqui? Vai ter a criança aqui?
- Não vou sair, tá doendo muito!
- Tá bom Flávia, tá bom...


- Boa sorte hein! Fica calma...


- Oi Lêda.
- Cadê a Flávia?
- Acabou de passar numa maca. Foi pra lá. Disseram que já vai nascer.
- Ai meus Deus!


- Oi mãe.
- E aí?
- Nada ainda.
- Você tá bem? Tá com fome? São seis da manhã e acho que você ainda não comeu.
- Pois é. Vou enfrentar a chuva e comprar alguma coisa numa lanchonete logo ali.
- Vai lá.
- Já volto.


- O senhor é o pai do João?
- Sim.
- Seu filho acabou de nascer.
- Sério? E aí: foi tudo bem? Ele está bem? Ela está bem?
- Estão sim: foi tudo tranqüilo.
- Ouviram? Pelamor né: chorando abraçadas? Vou ter que contar pra tudo mundo qual foi o "Momento Piegas" da história...


- Vocês já podem subir pra ver o bebê. Mas são duas pessoas por vez.
- Quem de vocês duas vai comigo?
- Vai você primeiro, Lêda.
- Tá bom.


- Ai, caramba... olha ele aí.. eu não acredito... como é que estão as coisas?
- Comigo tá tudo bem. Com dor. Querendo sair daqui o mais rápido possível. Mas tudo bem. Ele tá ótimo. E lindo né? Já mamou, não teve problemas...
- Olha a mãozinha...
- Mãe, você não vem ver seu neto: parece louca... fica aí só tirando foto.
- Tô indo. É que se chega alguém talvez não deixe fotografar...
- Ai meu Deus! Oi João...
- Eu vou descer porque sua mãe deve estar ansiosa. Você fica aí.


- Ué, Emílio? E minha mãe?
- Ela disse que quer estar perto da sua avó quando ela for ver. Tem medo que ela passe mal. Aí pediu pra eu subir.
- Olha ele aí, rapaz...
- Aha...
- Está tudo bem mesmo? Há previsão pra saída?
- Amanhã. Acho que amanhã já saímos.
- Vamos Emilião?
- Vamos lá, cara. Parabéns...
- Fiquem direitinho, ok?


- Pôxa, como você está se sentindo?
- Não sei: sinceramente não sei. É algo que vai ser daqui pra frente. Não adianta dizer que quando nasce você já ama loucamente. Você sequer conviveu! Mas é maravilhoso, você não tem idéia. O João nasceu cara, o João nasceu!

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- Tá com sono, pai?
- Mais ou menos, por quê?
- Eu queria usar aí.
- Usa o do Pedro... eu já tô terminando... escrevendo uma coisa pro seu aniversário.
- Tá...


- E agora, tá com sono agora João?
- Tô.
- Vamos?
- Vamos lá...
- Vou desligar aqui então...

11.10.08

Augusto de Campos - coraçãocabeça - 1980



Clique na imagem para ver o poema em sua forma completa.

Platão, Juvenal, e certas estranhices no Jornal Regional 1a Edição

Lá pelo século I A.C (quanta exatidão, meu Deus!) o poeta Juvenal, em suas Sátiras, lançou o seguinte dilema: Sed quis custodiet ipsos custodes? Ou, em nossa última flor do Lácio (inculta e bela, hehe): Mas quem guardará nossos guardas?

Óbvio que a coisa tem duplo efeito: a questão não é somente quem guardará nossos guardas, mas quem "nos" guardará de nossos guardas.

Pois bem: hoje, no queridíssmo Jornal Regional, uma notícia me chamou mais do que atenção. Policiais federais estavam cobrando propina de um traficante (R$ 200.000,00) e de um dono de loja que, ao que parece, vende muita muamba (o valor aqui não foi revelado). Coisa rotineira, sabemos. Mas a pergunta sempre fica: numa situação dessa, o que se há de fazer? Ou, como já havia preconizado o nosso Capitão Nascimento: os caras vão fazer o que - chamar a polícia?

Chamaram, Capitão Nascimento. Chamaram. É claro que não houve menção sobre como se deu o processo. A informação é só a de que, tanto o traficante quanto o dono da loja, deram parte dos sujeitos. Os três policiais estão afastados, sob investigação, e responderão ao que for apurado (sim: mais provável que nada aconteça).

Agora, o interessante aqui é notar o quanto os bandidos foram, por assim dizer, platônicos em sua ação. Sim: pois a questão colocada por Juvenal acima já havia sido feita, de certa maneira, por Platão, em sua "A República". Lá pelas tantas, numa passagem que eu não sei mais onde fica (muito exato, de novo), Sócrates pergunta, a respeito das funções do Estado e das relações de moralidade entre estas funções, sobre quem deveria intervir se acaso a polícia cometesse crimes. A resposta de Platão é circularmente clara: a polícia mesmo, ora essa!

Não me lembro se depois da resposta Sócrates complicou a coisa (já que ele sempre complicava), e avançou mais na questão: - Mas e se os prejudicados são os foras da lei, e prejudicados justamente pelos que são da lei?

Hummm... acho que ele não esperava por tanto, pobre homem. Acho que ninguém esperava por este lugar onde tudo é muito estranho, e a estranheza é tão, digamos, estranha, que chega a ser engraçada.

Querem outro exemplo? No post seguinte eu darei...

6.10.08

Historieta de amor

Ele amava-a como se
Ela lhe fosse o mundo.

Ela detestava-o na mesma
Proporção (na verdade, talvez gostasse
tão somente de estar livre).

Dizia-lhe sempre até o cansaço:
- Se um dia tu morreres, vou-me
Embora junto contigo.

Certa feita, ao repetir-lhe a frase,
Não teve dúvidas.

Acidente e morte. Ataúde lacrado.

Do homem nenhuma lágrima.
Assim que a noite caiu,
reabriu o túmulo e entrou.

Pagou bem para que alguém
O selasse nova e perfeitamente.

Enquanto ele asfixiava-se e retorcia-se,
Ela observava, liberta e anciosa, as novas
Luzes da cidade que lhe surgia.

O corpo, encontrado alguns dias depois,
Com mãos e pernas abraçando a madeira,
Exibia ainda um discreto sorriso.

Cada um foi feliz ao seu modo.

Out. 93

4.10.08

O pardal hobbesiano

Sentei-me à mesa com uma garrafa d´água e um salgado na mão. O pardal não demorou-se a aparecer. Pousou bem à minha frente e disparou-me um olhar que me fez compreender facilmente o que se passava: - Tá bom, tá bom... toma aí um pedaço.

Coloquei o naco sobre a mesa. Ele pegou-o rapidamente e foi ao chão. Ali, prendeu-o de maneira agressiva entre o bico e voou. Foi-se embora. Achei tudo muito estranho: era a primeira vez que um pássaro havia se comportado, ao menos na minha frente, como um cão. E mais: parecia que eu conhecia aquele bicho cinza de algum lugar.

É claro que tal acontecimento foi suficiente para gerar algumas digressões, sendo a mais tola delas o fato de achar que ali, naquele momento, eu ou havia ganho um amigo, ou então reencontrado um que já houvera passado ao outro lado e se transformado, sei lá por quais regras transcendentais, num pássaro dos mais comuns.

Estava neste ponto de elaboração das minhas doidices quando o bichinho voltou. E desta vez foi mais interessante, apesar de menos discreto e de me permitir menos delírios. Postado no mesmo lugar de antes, desta feita não olhou: piou (não sei o nome do barulho do pardal, portanto vai piar mesmo). E piou, digamos, nervosamente. Um pio gritado, se é que isso existe e que vocês me entendem. Eu não tive sequer coragem de discutir. Peguei outro naco e pus sobre a mesa. Assim como antes, o folgado (agora já não era amigo novo ou espírito encarnado: era folgado) foi ao chão. Só que, desta vez, deu cabo da massa ali mesmo, partindo em seguida.

Não retornou mais porque, claro, a comida que por fim dividimos acabou logo a seguir.

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Conclusões óbvias a partir do fato:

1. Estado de natureza é estado de natureza: não interessa se você está de frente para uma minhoca, um homem armado, um pardal, um crocodilo ou uma criança.

2. Se você se comportar de maneira cordata como esperam que você se comporte, você será dominado, e feito de tonto, seja por uma minhoca, por um homem armado, um pardal, um crocodilo ou uma criança.

3. Eu sou feito de tonto constantemente por minhocas, homens armados e desarmados, pardais e crianças. Estou no aguardo dos crocodilos.

4. Eu ando repetitivo. Meu pensamento é circular e me diz sempre o mesmo. Isto significa que eu digo sempre o mesmo a vocês.

5. Gostaria de conhecer pessoas novas. Por conta disso até conjecturei aceitar a amizade de um pardal, que (in)felizmente logo mostrou que não se passava de um interesseiro.

6. Não quero mais papo com pardais.

2.10.08

De novo, com vocês, Mr. Brian Wilson!!!

Há um site bastante interessante, fruto de uma proposta muito bacana, cujo nome é Black Cab Sessions. Não há muito o que eu deva explicar pois o nome diz tudo.

O convidado desta semana foi Sir Brian Wilson, do Beach Boys. Creio que já disse a vocês que eu acho este homem genial. Pois bem: digo de novo... hehe

Segue aqui o vídeo: tanto para diversão, quanto para uma pequena prova.

1.10.08

Olha o Romano estressado aí gente... chora cavaco!!!

Hummm... o que será que vem na próxima semana?

Corre pela internet uma carta assinada pela viúva de Paulo Freire. Nela, aproveitando a reportagem da Veja, com pesquisa de opinião sobre o ensino brasileiro, explodem velhos ódios contra mim, mantidos e cultivados até hoje à socapa. O pretexto foi a indicação, pelas jornalistas que assinam a matéria, de meu nome (e de outros) como consultor de suas análises. Sem prestar atenção ao fato (verificável por quem é dono de seus neurônios) de que as responsáveis pelas afirmações da reportagem são as jornalistas, a menção de meu nome como consultor (quem não é tolo, sabe que as assertivas não podem ser imputadas, sem prova, ao consultor, mas a quem usa, literalmente ou não, as informações) levantou o dedo duro contra minha pessoa.

Os ódios são devidos a um artigo que escrevi quando o professor era secretário da prefeita Luiza Erundina. Na ocasião, a secretaria convocou um concurso para provimento de cargo no magistério público municipal. Ao analisar a bibliografia obrigatória do concurso, fui tomado de espanto ao ver que os livros do titular da pasta eram exigidos dos candidatos. Em todo país civilizado, mesmo no Brasil, é evidente o conflito de interesses que tal atitude suscitava. Verifiquemos a consciência de um candidato que não concorda com a teses do secretário: qual a garantia de seu direito subjetivo (e objetivo, garantido constitucionalmente) de livre opinião? Trata-se de um escândalo sem justificativa ética. Indignado com a nítida agressão e uso da ordem pública para promover um conjunto doutrinário particular, escrevi o artigo Ceaucescu no Ibirapuera para a Folha de São Paulo. Como única resposta tive o silêncio ressentido da seita. Nem o titular da secretaria nem os seus áulicos se pronunciaram. Claro, seria confessar o abuso discutir a evidência, provada em Diário Oficial. A partir de então, sempre que pelo Brasil eu topava com os fiéis, percebia a hostilidade traduzida de forma grosseira, insinuações sobre minha ortodoxia de esquerda etc.

Como se tratava de fato passado e como não tinha obtido resposta pública, esqueci o caso e segui na luta contra os abusos da coisa pública, perpetrados por figuras eminentes ou por liliputianas personalidades. Após a redação do artigo, segui outras batalhas pelos direitos humanos e civis e tive o reconhecimento das mais variadas faces da sociedade brasileira. Da distinção a mim outorgada pela Associação Juízes para a Democracia à medalha da B’ nai B’ rith, recebida em 2007 (entre os agraciados nos anos anteriores cito a dra. Zilda Arns), sempre norteei minha vida pública pela defesa da dignidade, da responsabilidade, do apego aos valores éticos e morais. Se firo uma ou outra seita ideológica, política, religiosa, fico triste, mas pago o preço das retaliações.

Na carta mencionada, sou tratado de “filósofo”, assim entre aspas, e “defensor da ética do mercado”. O uso das aspas para desacreditar adversários ou críticos é norma das seitas. Houve na Alemanha uma seita que usou e abusou das aspas. Cito Victor Klemperer, lingüista que sofreu a violência física e espiritual em sua própria terra. Nos escritos do Terceiro Reich, mostra Klemperer, “Chamberlain e Churchil e Roosevelt sempre são apenas ‘estadistas’ em aspas irônicas. Einstein é um ‘pesquisador científico’, Rathenau um ‘escritor alemão’”. Não existe, na Alemanha da época, um só artigo de jornal, ou impressão de um discurso que não use tais aspas irônicas invertidas”. (Victor Klemperer, Language of the Third Reich, LTI Lingua Tertii Imperii, London, Continuum, 2000, p. 73).

Ao atacar, com aspas, minha inscrição na universidade, os redatores da carta usam instrumento retórico pouco recomendável, talvez porque ignorem a sua virulência. Eu os desculpo pela falta de conhecimento. Mas como atacaram minha honra, ao afirmarem que só penso na ética do mercado e não dos valores universais, voltarei ao assunto para informar aos leitores mais detalhes sobre o assunto. Não abri a caixa de Pandora, mas eles, agora, suportem os resultados.

Roberto Romano é professor de Ética e Filosofia na Unicamp